O narrador: estética e política na narrativa de Rodrigo S. M. e considerações para a escrita da história
Palavras-chave:
Clarice Lispector, Narrativa, Estética, Política, Testemunho, Escrita da HistóriaRESUMO
Rodrigo S.M. é o narrador-personagem do romance A hora da estrela, de Clarice Lispector, publicado em 1977. Este narrador que faz questão desde o começo da obra de afirmar que é, na verdade, a própria autora, Clarice Lispector, conta a história da personagem Macabéa, uma nordestina ficcionalizada, vítima da pobreza e da invisibilidade na metrópole do Rio de Janeiro. Todavia, ele não conhece sua protagonista e se afirmamos que ele é um narrador-personagem é porque ele aparece neste romance fazendo uma reflexão sobre o papel que ocupa na sociedade: narrar. Assim, Rodrigo S.M. nos oferece no interior de sua narrativa uma potente reflexão sobre este exercício que é, antes de tudo, uma poderosa ferramenta contemporânea. Mas afinal, não é este também um papel que nós, historiadores, ocupamos no mundo social? Deste modo, buscaremos acompanhar algumas considerações que Rodrigo S.M. realiza na sua ficção, compreender os sentidos estético-políticos empreendidos por Clarice Lispector ao adotar essa técnica narrativa e, extrapolando estas reflexões, mas apreendendo com elas, pensar este paradigma para a narrativa histórica. Portanto, deixaremos a literatura ser não nosso objeto, mas um modelo epistemológico para fomentar nossa própria disciplina.REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo, 2008.
ALBERCA, Manuel. Autoficción de un gozador de placeres efímeros. Olivar, Buenos Aires, n. 12, 2009, p. 209-226.
ALMEIDA, Fábio Ferreira de. SALOMON, Marlon (orgs.). De Bergson a Rancière – pensar a filosofia francesa do século XX. Goiânia: Edições Ricochete, 2017.
BAPTISTA, Abel Barros. Três emendas: ensaios machadianos de propósito cosmopolita. Campinas: Unicamp, 2014.
BÉNICHOU, Paul. Le sacre de l’écrivain : essai sur l’avènement d’un pouvoir spirituel laïque dans la France moderne. Paris : Gallimard, 1996.
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: ______. Magia e estética, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012, p. 213-240.
CAMARGO, Maicon da Silva. “Eppur, si mouve”: o homem e o pensamento nos romances de Clarice Lispector. 2020. 432 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia. 2020.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
CERTEAU, Michel de. A fábula mística séculos XVI e XVII: volume 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015.
CHARTIER, Roger. “Escutar os mortos com os olhos”. Estudos Avançados. São Paulo, 2010, vol.24, nº. 69, p. 7-30.
CHARTIER, Roger. A mão do autor e a mente do editor. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Devir-intenso, devir-animal, devir-impercepctível... . In: ______. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2 (volume 4). São Paulo: Editora 34, 2012.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kakfa: por uma literatura menor. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
DERRIDA, Jacques. Annee Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar Da Hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
DERRIDA, Jacques. Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com Jaques Derrida. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
ELIAS, Norbert. Ensaio teórico sobre as relações estabelecidos-outsiders (Introdução). In: ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
FOUCAULT, Michel. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Col. Ditos e Escritos volume III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Vega: Passagens, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.
FUMAROLI, Marc. L’âge de l’éloquence : rhétorique et “res literaria” da la Rennaissance au seuil de l’époque classique. Génève: Droz, 2009.
GATTINARA, Enrico Castelli. Les inquiétudes de la raison : épistémologie et histoire en France dans l’entre-deux-guerres. Paris : Librairie Philosophique J. Vrin, 1998.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
GOTLIB, Nádia Batella. Clarice: uma vida que se conta. São Paulo: Ática, 1995.
GOTLIB, Nádia Batella. Vida. Disponível em: https://claricelispectorims.com.br/vida/. Acesso em: 4 de abril de 2016.
HANSEN, João Adolfo. Uma estrela de mil pontas. Língua e Literatura, São Paulo, (17), 1989, p. 107-122.
HARTMAN, Geoffrey H. Holocausto, testemunho, arte e trauma. In: NESTROVSKI, Arthur; SELLIGMANN-SILVA, Márcio (org.). Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000, p. 207-235.
HARTOG, François. Croire en l’histoire. Paris: Flammarion, 2013.
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos de Literatura Brasileira: Clarice Lispector. Vols. 17 e 18. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2003.
JABLONKA, Ivan. La historia es uma literatura contemporânea: manifesto por las ciências sociales. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2016.
KOSELLECK, Reinhart (et. alli.). O conceito de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
LACAPRA, Dominick. Historia y Memoria después de Auschwitz. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009.
LE BRUN, Annie. O sentimento da catástrofe: entre o real e o imaginário. São Paulo: Iluminuras, 2016.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. In: ______. Antropologia estrutural II. São Paulo: Tempo Brasileiro, 1989.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 2012.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Record, 1977.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela: edição com manuscritos e ensaios inéditos. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.
LISPECTOR, Clarice. A última entrevista de Clarice Lispector. Panorama. TV Cultura: São Paulo, dezembro de 1977. Entrevista concedida a Júlio Lerner. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ohHP1l2EVnU. Acesso em: 10 de março de 2016.
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2006.
MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
O Relatório Karski [Filme]. Direção de Claude Lanzmann. França: Les Films Aleph, 2010, 1 DVD, 49 min.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Rio de Janeiro: Editora 34, 2009.
RANCIÈRE, Jacques. La palavra muda: ensayo sobre las contradiciones de la literatura. Buenos Aires: Eterna Cadencia Editora, 2009.
RANCIÈRE, Jacques. “Política da literatura”. Revista A! Tradução de Renato Pardal Capistrano, Rio de Janeiro, v.05, n.05, p.110-31, jan./julho, 2016.
RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. São Paulo: Editora 34, 2017.
RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Pólen, 2019.
SÁ, Olga de. A escritura de Clarice Lispector. Petrópolis: Vozes, 1979.
SALOMON, Marlon (org.). Heterocronias: Estudos sobre a multiplicidade dos tempos históricos. Goiânia: Ricochete, 2018.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (orgs.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, p. 31-83.
SCHOLEM, Gershom. O nome de Deus, A teoria da linguagem e outros estudos de cabala e mística: judaica III. São Paulo: Perspectiva, 1999.
SHALLINS, Marshall. Metáforas históricas e realidades míticas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
Shoah [Filme]. Direção de Claude Lanzmann. França: Les Films Aleph, 1985, 4 DVD’s, 544 min.
SOARES, Elza. Trecho de entrevista de Ary Barroso a Elza Soares. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=9NVo62or4oc >. Acesso em: 24 de outubro de 2019.
SOUSA, Carlos Mendes de. Clarice Lispector: figuras da escrita. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2011.
STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
VAZ, Henrique C. de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Edições Loyola, 2015.